Vamos lá às listas (em quantias de 3 para ser mais fácil) com “produtos” não obrigatoriamente produzidos em 2005, mas celebrados em 2005.
3 Livros de Poesia
- António Franco Alexandre, “Aracne”, Assírio & Alvim
- Tonino Guerra, “O Mel”, Assírio & Alvim
- Konstandinos Kavafis, “Poemas e Prosas”, Relógio de Água
3 Livros de Ficção
- Michael Cunnigham, “Dias Exemplares”, Gradiva
- Fiama Hasse Pais Brandão, “Sob o Olhar de Medeia”, Relógio d’Água
- W. G. Sebald, “Austerlitz”, Teorema
3 Filmes
- Ingmar Bergman, “Saraband”
- Jacques Rivette, “Histoire de Marie et Julien”
- Clint Eastwood, “Million Dollar Baby”
3 Discos
- Bernardo Sassetti, “Ascent”
- Antony & The Johnsons, “I am a bird now”
- Sufjan Stevens, “Illinois”
3 Concertos
- Lhasa de Sela, Casa das Artes, V.N. Famalicão
- Wim Mertens, Casa das Artes, V. N. Famalicão
- Maria Rita, Coliseu, Porto
3 Exposições
- August Strindberg, Tate Modern, Londres
- Stephan Balkenhol, Centro Galego de Arte Contemporánea, Santiago de Compostela
- Susan Hiller, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto
3 Obras de Arquitectura Visitadas
- Herzog & de Meuron, Edifício Fórum, Barcelona
- Eduardo Souto Moura, Casa de Baião, Baião
- Rafael Moneo, Arquivo Geral de Navarra, Pamplona
3 Blogues Amigos (perdoem-me todos os outros mas as listas têm destas coisas)
- Glossolálias
- Bordado de Murmúrios
- Marketing Axiológico
3 Blogues de Visita Frequente
- Dias Felizes
- Da Literatura
- Incomunidade
Epístola sobre o Suicídio
Suicidar-se
É coisa corriqueira.
Pode-se falar nisso à mulher-a-dias
Discutir com um amigo os prós e os contras.
Há que evitar um
Certo pathos simpático.
Mas não é preciso fazer disto um dogma.
No entanto, parece-me preferível
O pequeno Bluff do costume:
Estar farto de mudar de roupa, ou melhor:
A mulher pôr-los
( O que faz um certo efeito aos que se impressionam com essas coisas
E não é demasiado bombástico.)
De qualquer modo
Não se deve dar a impressão
De que se dava
Muita importância a si mesmo.
Bertolt Brecht
In “Poemas”, Campo das Letras
Trad. Arnaldo Saraiva
A forma justa
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome de terrestre
A terra onde estamos – se ninguém atraiçoasse – proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
- Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavras em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do Universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é o meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
Sophia de Mello Breyner Andresen
in “O nome das coisas”, Caminho
O exemplo de Leonardo
O Leonardo de dez anos
A andar de bicicleta
Caíu e esfolou o joelho.
Morreu com dores horríveis
A doença chama-se tétano
Oito linhas na Enciclopédia.
O pequeno Leonardo devia ser muito solitário
Se pensarmos que os seus amigos
Eram o avô já morto
Que ele só conhecia das histórias
E aquela bicicleta vermelha.
Dos três apenas resta a bicicleta
Arrumada na arrecadação escura
Entre fotografias de lutadores
E utensílios de pesca ferrugentos.
Tassos Denegris
in "A outra versão", Quetzal Editores
nada os meus olhos deixarão na cinza
das vastas folhas envidraçadas: nem
o astrológico número das horas
autorizadas pela autoridade e sua penumbra.
a “penumbra da autoridade” vem vestida
de muitos horizontes com, aqui ou além, um barco
de velas estilhaçadas, ou a capa de um livro
de viagens na vitrina.
então o amor mistura-se com as coisas breves,
os pássaros, o rumor dos alicates na gaveta branca.
foi esta a sua história? esta canção pertence-lhe?
a “greve” alourou-lhe as sobrancelhas? estes olhos
têm plástico ao contrário. e o ruído
das torneiras no balde, mesmo
à beira do precipício,
é um inconveniente que convém manter
sob vigilância.
António Franco Alexandre
in “Poemas”, Assírio & Alvim