não fui. levaram-me. enquanto te despedias, distrai-me com um homem, também de pena, e me alheei de tudo. meu amor minha dor emergia à superfície da memória, comigo a retorquir, não, nem amor nem dor. já não tenho a ferida. mal sabia da tua partida. alivia-me a tua nova viagem. felicito a tua coragem, para este penúltimo passo. terás aviado o lacaio…libertaste-o… irás mais tarde buscá-lo de novo. tudo se encaminha. a tua dúvida restará até ao fim. acaso passe os últimos tempos de vida com o menino de cabelo cor de palha e olhos de leite azul, ou não. sentiste tudo. como me fez querer aquele menino, com quem mais fiz par, o corpo que mais e melhor sinto na distância. como saltei logo para o colo dele, e o teu não, quando de noite me vieste visitar, depois da criança ter nascido, como uma ofensa para ti, a criança e o salto que não dei. havia uma luz fresca e muito clara que me envolvia quando me ouviste pensar, desisto, eu desisto. a minha dúvida já mais não existe. o meu coração voltou a disparar com medo de ti. porque o menino de cabelo cor de palha e olhos de leite azul suplantou-te, na procura incessante da mãe de todas as outras. e eram tantas. para que sintas de facto, para que o teu corpo to diga, a tua voz se torne clara, e a tua mão genuína. sem exercícios de estilo, na mais pura nudez da alma. na humildade aprendida, ao desprender. tem cuidado para não pisar esta flor. como sempre te ofenderam as flores viçosas e como sempre lhes puseste o pé em cima, tem cuidado. querida tristeza, presa de escudo na mão, não me magoes não. todo o amor nasce e morre. poderá renascer, mas nunca senão depois de uma morte tão prevista.
é bom poder voltar a ler-te assim
Ah, Sónia... há tanto reconhecimento nessas palavras, minha querida.
À tristeza é preciso também que se diga: o pé que destrói as flores viçosas fere-se no espinho e guarda muito pouco do aroma que se ofertara e assim morre-se ignominiosamente; já as flores que perecem sob pés desavisados, essas renascem com a força que só os delicados possuem.